Uma ode a escritoras que não se encaixam
Sobre o encontro de pessoas sérias demais para os fúteis e bobas demais para os intelectuais
Estou para escrever esse texto, — essa homenagem — há uma semana. A vida me impediu, assim como impede que eu escreva sempre que sinto a necessidade. A escrita que se impõe no capitalismo neoliberal é uma escrita ansiosa, quase que destrutiva. A fruição dessa arte é escamoteada pelo trabalho. Sendo que é importante viver momentos de ócio para que o processo criativo floresça.
Iniciei as frases posteriores com muitos “As”, algo que me incomoda como escritora, porém, não poderia fazer diferente. O sujeito se torna o ato: viver, escrever, fruir. Já o “eu” torna-se máquina para o trabalho, não para a vida.
Porém, estou divagando, não vim aqui filosofar sobre as intempéries do capitalismo. Inclusive, estou admirada com as escolhas de vocábulos formais para uma simples newsletter. Sei ser pomposa, mas não sei ser formal, além disso, tenho dificuldade em manter conversas banais do dia a dia e isso sempre afetou a minha sociabilidade. Sou séria demais para os fúteis e boba demais para os intelectuais.
De qualquer forma, esta não será uma newsletter sobre mim, será sobre encontros. O encontro de pessoas sérias demais para os fúteis e bobas demais para os intelectuais.
Uma ode a escritoras que não se encaixam
Sem o poema lírico grego, porque afinal, esse é o século XXI e tudo que vem da fruição também é poesia.
Quero homenagear minhas amigas escritoras — que são sérias demais para os fúteis e bobas demais para os intelectuais — em especial: Izabella Cristo.
Pauso rapidinho para avisar que fiz um vídeo bem completo sobre Friends, lá no meu canal, se quiser assistir, vou deixá-lo aqui:
Há exatos 7 dias nós estávamos no lançamento do livro mãezinha da Iza, que ganhou o primeiro Prêmio Caminhos de Literatura e foi publicado pela Dublinense. E eu me refiro a “nós” porque fomos em comunidade celebrar o nascimento de mãezinha: Camilla Loreta (que também lançará um livro este mês, saiba mais aqui), Sinalva Fernandes, Carla Carneiro e Kátia Pastre — escritoras que admiro.
mãezinha nasceu com tudo que escritores desejam: entrevistas, um prêmio, um projeto gráfico maravilhoso, edição bem feita, leitores e uma editora séria mediando tudo isso. E eu não poderia estar mais feliz por Iza, que poucos meses antes de ganhar o prêmio Caminhos pensava em desistir do livro.
Trocamos diversos áudios sobre o livro
Ela dizia: “Aninha, eu não consigo, vou desistir” e eu respondia: “você está louca, continua, vai dar certo”. Acho que esse medo da Iza vinha de algo que admiro muito nela (amiga, se eu estiver falando bobagem, pode me corrigir): a falta de encaixe em modos ultrapassados de fazer literatura — e viver (Estou pesando a mão nos travessões porque estão dizendo que é coisa de AI e eu acho graça disso).
Desde que li mãezinha pela primeira vez — na época “Mãe de UTI”— eu sabia que a escrita dele seria um desafio
Iza é ousada e queria fazer coisas em seu livro que exigia muito habilidade literária — ela claramente tem —, como por exemplo o uso da segunda pessoa, o “você”, para narrar, os sarcasmos ao falar de maternidade e as adições gráficas ao texto que não agradam a maioria dos intelectuais pomposos. Disse isso para ela várias vezes e a gente ria ao chegar a conclusão que queríamos sempre o mais difícil, tanto eu quanto ela.
Iza sempre teve uma escrita que incomodava, que não se encaixava, que recusava normas e padrões. Fora que ela é maluca — digo isso como um elogio, eu ADORO pessoas malucas, e só me aproximo desses espécimes —, sem vergonha, direta e extremamente inteligente. Pessoas certinhas, travadas, envergonhadas, desabrocham perto dela, que consegue unir todas as tribos, como o Norvana.
Izabella Cristo é o Norvana da literatura brasileira contemporânea. Tenho certeza que todos que se aproximarem dela vão notar tal característica. Os únicos que tenho CERTEZA que não gostarão dela serão aqueles que se levam a sério demais.
Ano passado na FLIP eu estava conversando com a Camilla — a Loreta — e ela disse que gostava que eu não me levava tão a sério.
Essa constatação veio como uma revelação:
Eu sempre soube que era boba, meio estranha e socialmente esquisita, mas nunca me imaginei assim como uma pessoa que não se leva tão a sério.
Como eu disse: séria demais para os fúteis e boba demais para os intelectuais.
E o que seria essa pessoa que não se leva tão a sério?
Pauso de novo o texto, desculpa gente, mas preciso divulgar meu trabalho, já que daqui em diante vou pagar tudo em Euro!
Abri um curso sobre como “se vender”, sem “se vender” nas redes sociais, para escritores, criativos e profissionais no geral.
Essa pessoa ri da própria desgraça, ela não tem vergonha de falar a coisa errada na hora errada e não esta desesperada para agradar. E em um meio onde existem pessoas que se levam a sério demais essa característica, que a Camilla revelou em mim, é como um bálsamo. A Camilla é assim também, apesar de ser mais tímida (amiga, se eu tiver falando bobagem, me corrige), a Iza é assim, a Carla é assim, a Kátia é assim, até a Sinalva é assim — ela é mais tímida como a Camilla.
Escritoras sérias demais para os fúteis e bobas demais para os intelectuais
Após o lançamento fomos todas, para um bar de karaokê para cantar mal em frente aos outros. Algumas performaram passos de danças, outras cantaram melhor do que eu poderia imaginar que fariam — não é o meu caso, eu cantei mal mesmo. Foi muito divertido.
Acredito que a maior alegria da vida, a verdadeira fruição, é ser levemente bobo e não se levar tão a sério assim
A Iza — essa escritora maravilhosa, ganhadora de um prêmio, publicada, aclamada (sim, vocês vão ver) — não se leva tão a sério, e mesmo assim é excelente em tudo que faz. Ela deveria ser um grande exemplo.
Então, eu peço para que editoras, prêmios literários, curadores de eventos e outros “grandes” do mercado, vejam o futuro da literatura nessas mulheres que não se encaixam.
Estamos cansadas dos doutores pomposos que usam palavras difíceis como se isso fosse intelectualidade
A real é que a gente sabe ser formal, a gente sabe falar sobre o capitalismo neoliberal e a fruição da vida impedida pelo trabalho, mas a gente escolhe não ser chata.
Eu ainda não li a nova versão de mãezinha, porque vamos ler juntas no Clube do Livro Contemporâneas (se quiser participar é só clicar aqui), mas tenho certeza de que é esse respiro que a literatura brasileira precisa.
O Clube do Livro Contemporâneas, onde lemos mulheres brasileiras e contemporâneas, também é um podcast! A última conversa que tivemos foi com a Mariana Salomão Carrara e está muito legal.
Você pode escutar aqui:
Estamos cansadas dos mesmos nepoescritores (ou seria “nepo escritores"? — gosto mais de nepoescritores) que escrevem para seus pares. Precisamos de mais Izas e Camillas e Carlas e Kátias e Sinalvas.
Demorei anos para perceber que era legal ser séria demais para os fúteis e boba demais para os intelectuais, por isso, escrevo para avisar que não é um problema ser assim, pelo contrário, é uma força e para ilustrar essa força vou sempre usar o exemplo de Izabela Cristo. Parabéns pelo lançamento amiga, você é o maior exemplo que temos!
Talvez, quando outras pessoas descobrirem isso, a escrita que se impõe no capitalismo neoliberal seja menos ansiosa — e destrutiva.
Oi, aqui é a Ana Barros, te convido para conhecer meu livro de estréia “As luzes de dois cérebros anárquicos” publicado pela Paraquedas e viabilizado pelo ProAc. Aqui você conhecerá Angela, uma mulher que está buscando a liberdade fora dos padrões sociais (sim, eu e minha eterna busca por liberdade).